03 de novembro. AQUI JAZ a oportunidade de ter feito um post descolado no momento certo. Mas como a morte não tem hora para chegar, a necessidade de escrever sobre o assunto só amanheceu com o dia de hoje. Ou seja, este é um texto fora de hora.
Passei o dia de ontem, Finados, revisitando no íntimo os meus mortos e os mortos dos meus vivos, sobre quem eles contam, mas não conheci. Pelas circunstâncias, me peguei também pensando em meus ancestrais, os mortos dos meus mortos. Quanta morte acumulamos em vida! Adeuses precoces, violentos, doentis, mortes “morridas”. De tanta coisa se pode morrer. De tanta morte se pode doer...
Prefiro as mortes que, ao menos, cabe a despedida. A velhinha, cliente, que publicou seu livro antes de partir; minha Tia Rita, que pôde prometer ao marido de quase noventa anos que ele poderia “ir” sossegado, que casar de novo ela não casaria, mas em casa também não ia ficar: consolou-se na viuvez viajando!
Eu tive a chance de dizer ao meu pai que eu não sabia se nós tínhamos acertado um com o outro, mas tinha certeza de que não nos economizamos em nossa relação. Sinto tanto amor ao escrever isso, que só posso acreditar que acertamos sim. De mamãe me despedi antes de induzirem-na ao coma. Até hoje vive em mim seu olhar e o toque de sua mão em meu rosto.
Quando foi a vez de minha amiga Kaú, em nosso último encontro eu pude agradecer por tudo que vivemos juntas ao longo de três décadas. Sua família (e mãe!) é também um pouco minha. Desejei em sua partida que o espírito dessa amizade seguisse, agora com seus filhos.
Ouvi que morremos finalmente quando pronunciam nosso nome pela última vez. Então, ontem, chamei a todos!
Quando me veio à mente os mortos que não sei o nome, lembrei-me dos mortos reduzidos a estatísticas. Que consolo se pode ter? Por mais que eu reconheça a morte como parte da vida, que goste da doutora que diz que “a morte é um dia para ser vivido”, há momentos que fogem à minha compreensão. Eu sinto muito.
Somos tão crentes em nossas verdades que imagino a morte compassiva, perguntando em nossa passagem: “no que você acredita?”. Em seguida nos destina para os respectivos caminhos.
Eis o mistério. Sei do inevitável, mas não faço ideia de como ou quando será minha vez, e muito menos tenho pressa para conhecer o barqueiro Caronte. Mas, seja a morte como for, prefiro seguir obediente o conselho de meu esposo ao sair da Capela dos Ossos, na cidade de Évora, onde na entrada está escrito “Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. Ele meu abraçou, olhou bem nos meus olhos e disse: “vamos aproveitar enquanto temos carninha!”. Que assim seja.
03 de novembro, texto escrito, parido. AQUI JAZZ, feliz, feliz e dançante, a gratidão pela vida!
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